Uke: ukemi e atitude
Existem várias belezas em treinar e assistir uma luta de Aikido, sendo uma dela o papel Uke. O Aikido é visualmente bonito porque os papéis de Nague e Uke se juntam. E o Aikido é espiritualmente bonito pelo mesmo motivo.
Esse artigo é para compartilhar minha experiencia como Uke, motivos no qual eu acredito colaboraram com o sucesso de um Uke.
De forma geral o Aikido existe porque um ataque existe. Portanto, antes de mais nada, o Uke é conhecido como aquele responsável pelo ataque acontecer. O ataque não existe sem mudança do estado de passividade entre dois papéis.
Dessa forma, a intenção deve existir antes de ação, suficientemente para que o ataque seja uma simulação. O Uke também é encarregado de manter a intenção de ataque, e de ser capaz de se defender (ukemi). Se o Uke falha em qualquer momento dessa cadeia, digamos que “algo deu errado”.
Sabido que o Uke tem grande responsabilidade, vamos entender como treinar para ser um Uke melhor, e, portanto, treinar um Aikido melhor!
Ukemi
O Ukemi é a capacidade de se defender de uma técnica, de forma a proteger a própria integridade, e é geralmente a última parte da cadeia do ataque – muitas vezes último recurso.
Ukemi depende fortemente da postura de um Uke: o kamai dará suporte para movimentar, abaixar, levantar, posicionar-se para se defender de ataques durante uma técnica (como exemplo o atemi), e liberdade para se defender usando uma das várias técnicas de rolamento, queda, etc. Se um uke não tem o centro baixo perde o equilíbrio, se não dobra os joelhos pode receber um golpe e machucar os mesmos, se não levanta a cabeça não protege nuca, se não se protege com as mãos está vulnerável, e assim por diante. Existem vários riscos atrelados com o sair da posição de passividade, alternar a intenção e iniciar um ataque.
O equilíbrio mínimo irá garantir com que seja capaz de retomar ao kamai para se proteger a todo momento que não haja alguma ação do uke que te force o contrário, como por exemplo um dai-nikyo que serve justamente para “quebrar” a defesa do uke.
Imagem acima - este movimento acontece de forma livre, mas também deve existir depois sofrer qualquer influência do movimento do Nague.
[retorne à posição assim que possível mesmo durante o contato (geralmente a posição original é mais segura)]
Movimentos como ikkyo causam desequilíbrio para frente, para treinar este movimento, fique de pé, jogue o peso se curvando para frente quanto apoia as duas mãos no chão enquanto de pé. Ao levantar uma perna para trás durante esse movimento vai perceber que é mais fácil retornar a posição original. Use isto ao seu favor.
[pessoalmente, o efeito de eu levantar a perna traseira como forma de equilíbrio – ou tentativa de se equilibrar a posição original – faz com que minha perna esteja realmente alta durante a queda]
Geralmente o Nague espera que você reaja assim, afinal de contas o uke precisa se proteger.
Flexibilidade ajuda propulsionar o movimento e a não se machucar no caminho.
Propulsionar o movimento pode acontecer de várias formas. Uma das mais evidentes para mim é a capacidade de abaixar o centro, geralmente expressada pela posição do cavalo ou, em especial, em abaixar o centro de rotação.
Veja a altura do Bruno Sguerra (Uke), e como o centro de rotação fica mais próximo ao solo enquanto ele aproxima o torso das pernas. (As pernas seguem o corpo, não se preocupe com elas). É possível treinar este movimento com alongamento: enquanto sentado abra e estique as pernas e aproxima o torso a uma delas de cada vez, ou faça o mesmo movimento enquanto de pé na posição do cavalo tocando o chão com as mãos sem mover a parte inferior do corpo.
Eu diria que o Ike deve ser minimamente flexível de forma a garantir a leveza, que é relativa e por sua vez não está atrelada ao peso exatamente.
Segundo o livro “Aikido: exercises for teaching and training” de C.M. Shifflett, a energia de ferimento é aplicada por uma fórmula de massa multiplicada pelo quadrado da velocidade, que juntas se dividem pela área e tempo de contato com o solo.
EF = M x V² / T x A
Em outras palavras, a massa é constante, e quanto mais tempo e maior área utilizamos para as quedas e rolamentos como Uke, menos chance de ferimentos temos. De forma simplificada: leveza.
Quanto a velocidade, o livro não menciona possibilidade de alteração, e neste pondo eu acrescento aos ensinamentos do livro, é possível reduzir a velocidade se absorver o movimento.
[tente reparar o momento em que a projeção do Nague Marcelo Batista se inicia e o atraso no corpo do Uke em começar a queda. Ao mesmo tempo, note como o Nague aguarda o movimento.]
Essa absorção também resulta no aumento de tempo de contato do solo e na possiblidade de retomar o equilíbrio de volta ao kamai caso haja interrupção no movimento.
Atitude
O papel do uke é vazio se não houver o sentimento correto. Este sentimento gera certa atitude, que por sua vez influência em todos os outros aspectos na habilidade do uke.
Esta é a parte mais abstrata, então vou salvar as palavras para se atentar a reflexão pessoal. Mencionarei abaixo alguns sentimentos e apresentá-los de forma prática.
O respeito é fundamental. Ele livra o uke de julgamento portanto não altera as ações ou reações do uke: não resulta em ataques mais fracos, ou no efeito “piloto automático” onde o uke se lança ou cai sem o golpe do Nague. Ajudar a aceitar as decisões e os movimentos do Nague. O respeito gera a confiança entre Nague e Uke quase instantaneamente. E daí, você aprende a voar.
Outro pilar é a sinceridade: é fácil identificar um ataque não sincero (não confunda com vigoroso). O Uke que não ataca com sinceridade, não mantem sinceridade na intenção, e não sintoniza com o Nague para receber o golpe falta harmonia da mesma forma. Também, os movimentos do corpo do Uke estão atrelados como tanto, incluindo pontos fortes e limitações. Um uke deve agir de forma sincera, e não pensar nas ações – elas devem refletir o ser. Estas desarmonias geralmente resultam em perigo na prática e num “Aikido feio”. Um artista deve harmonizar a expressão individual e a expressão do contexto/ambiente – em artes marciais, em especial para um Uke, isso não é diferente. As vezes em que me machuquei como Uke foram quando eu não fui sincero com meu ser (no caso quando o corpo estava fatigado ou não descansei propriamente quando sabia que deveria).
A atitude de um Uke deve ser como a de um guerreiro num combate. Eu dou o exemplo com o, por mim nomeado, “O princípio do tanto”: imagine que o Nague possui sempre um tanto, podendo estar na mão ou preso na cintura. É perigoso ficar perto demais, se distrair, perder contato visual durante e depois de um golpe, ou de segurar em katate-tori sem controlar o Nague.
Pratique o princípio como se estivesse no Japão feudal, use imaginação, e interiorização. Isso vai resultar em consciência da situação, movimento, ma ai (espaço e posicionamento), vai te ajudar a ser mais sincero e a respeitar outros e o próprio Dojo.
A atitude acima deve facilitar com que o Uke conecte com o Nague. Um teste desta conexão é checar o contato visual do Uke para com o Nague durante a técnica e depois de um queda (reveja os GIFs anteriores e note o Uke) .
Na minha opinião, juntando treino de Ukemi como postura, equilíbrio, flexibilidade, leveza e absorção, e de Atitude, como o respeito, a sinceridade e o “princípio do tanto”, o Uke terá bastante recursos com que aprender consigo mesmo e com o Nague, de forma a melhorar no Aikido todos os treinos. Esses itens são parte da minha experiencia e podem ser usados como “perguntas para si mesmo”, e espero que talvez um pouco como respostas.
Vinicius Egerland
Agradecimento ao Bruno Sguerra e Marcelo Batista pela performance nas imagens.
Vini-fly